(este texto foi postado originalmente por mim em 2007, no Fórum Players)
- Cara, você ouviu na rádio a nova da Legião? 'Há Tempos'?
- Acho que não, qual é o refrão?
- É... putz, a música não tem refrão, mas começa assim: Parece cocainaaaaa..."
Era 1989, e a Legião Urbana desafiava novamente a regra do pop, tendo como música de trabalho mais uma canção sem refrão. Aliás, todo o novo álbum da banda, que levava o sugestivo nome de "As Quatro Estações", foi algo sem precedentes na história do rock nacional dos anos 80 - não só pelas vendagens (até porque o RPM já tinha vendido bastante antes da "queda"), mas por se afirmar com "grande banda", principalmente numa época em que a moda do rock nacional começava a entrar em declínio, e outros modismos como axé music, pagode e lambada roubavam os espaços do rock na mídia.
Lembro que, na mesma época, apenas outros dois discos do gênero tiveram destaque, que foram o "O Blesq Blom" dos Titãs (talvez o último disco decente deles) e o Big Bang, dos Paralamas. Não por acaso, na época a imprensa colocava as três bandas como a "Santíssima Trindade" do rock nacional - até porque o resto não chegava a ameaçar, e as poucas que surgiram na época para tentar reinventar o gênero (como o Picassos Falsos), morreram na praia.
Enfim, depois do sucesso do "smithiano" álbum "Dois", e da atmosfera punk do "Que País é Este", que mesmo sendo quase totalmente de regravações de músicas do Aborto Elétrico (banda punk de Brasília que deu origem à Legião), emplacou muitos sucessos, da faixa-título até a gigantesca "Faroeste Caboclo", outra música sem refrão que mesmo durando 9 minutos tocou a valer nas rádios e fez uma geração inteira decorar a letra (eu decorei à época e nunca mais esqueci). Ainda essa época, a Rede Globo exibiu um excelente programa especial, em que estrelavam a Legião e os Paralamas inclusive tocando junto algumas músicas e que foi sucesso de público (Detalhe: a Globo fez o favor de PERDER a gravação, e os poucos trechos que se acham por aí são oriundos de velhas fitas cassetes de fãs). Então, o "hype" em torno do novo disco era enorme.
Eu nesse período passava um pouco ao largo desse hype, já que meus interesses eram outros, como o rock setentista do Led Zeppelin, Purple, ou o heavy do Iron, Saxxon, Judas Priest e outros. E, um ano antes, descobri o punk, o pós-punk inglês e daí as influências "originais" das bandas nacionais, como os Smiths , Police, Echo & The Bunnymen e por aí vai. Mesmo assim havia um interesse pela Legião, que por sinal era a única banda pop nacional que era, se não ouvida, pelo menos "respeitada" por outras tribos pelas quais eu circulava na época, sejam punks, góticos ou outros, isso era algo que eu percebia claramente. Como disse acima, adorei "Que País É Este", mas nem comprei o disco, pois gravei de um colega numa fita Scotch (aquela com aquele cheiro forte característico...).
Enfim, curti "Há Tempos", e dias depois da conversa com um colega sobre a música (sim, aquele diálogo do início do texto), lá vou eu tentar descolar uma grana com os pais para comprar o vinil (que eu ainda tenho!), o que acabei conseguindo no mês seguinte. A essa altura, canções como "Pais e Filhos" e "Meninos e Meninas" (esta última tema de novela das 8), já tocavam sem parar nas rádios - mal sabia eu que TODAS as músicas do disco iriam parar no rádio, o que me fez ficar anos sem ouvir esse disco tempos depois.
Mas, blablabla, e o disco? Muito bom, ouvi quase até furar, principalmente as menos tocadas no rádio como "Feedback Song for a Dying Friend", "1965-Duas Tribos", e a fantástica "Eu era um Lobisomem Juvenil", provavelmente uma das melhores letras do Renato Russo. Curti tanto que tentei, no ano seguinte, entrar no show deles no Mineirinho, mesmo tendo só 15 anos (ter 1,70 já naquela época ajudou um bocado). Ah, já ia me esquecendo, e não é qualquer um que consegue musicar Camões e ainda por cima virar hit.
Meses atrás, comprei o CD remasterizado numa liquidação das Lojas Americanas, e ao ouví-lo, todas essas lembranças vieram à tona. Afinal, pelo menos para a minha geração, é um disco que gostando ou não, ninguém passou por ele indiferente.